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Da pedra fundamental ao reconhecimento nacional

Da pedra fundamental ao reconhecimento nacional: os 50 anos do Instituto de Geociências

Mapear a existência de petróleo em camadas profundas da terra, como o pré-sal, depende do aprimoramento contínuo de complexas tecnologias, como, por exemplo, o imageamento sísmico, método que responde por 90% do conhecimento mais preciso que se pode obter, previamente, de uma determinada área de exploração – de cuja expertise a UFBA orgulha-se de figurar na vanguarda nacional em termos de pesquisa em âmbito universitário.

Aprimorar continuamente essas tecnologias e ocupar esse lugar de proa, por sua vez, dependem de uma estrutura de pesquisa sólida, capaz de traduzir consistência acadêmica em credibilidade aos olhos das agências de fomento e da indústria, de modo a atrair os nada modestos investimentos necessários para a realização de pesquisa de qualidade em caráter permanente.

Essa consistência acadêmica, por sua vez, é produto do trabalho de toda uma comunidade de pesquisadores, docentes, corpo técnico administrativo e laboratorial e estudantes, ao longo de precisos 50 anos. E 50 anos, finalmente, merecem ser comemorados, e muito: 2018 é ano de celebração no Instituto de Geociências (Igeo) da UFBA, e os festejos começaram oficialmente nesta semana, com um ato comemorativo cujo carro-chefe foi o “revival” do ato que, em 1968, marcou o lançamento da pedra fundamental da construção do instituto.

O ex-reitor Roberto Santos, aos 91 anos, e a primeira diretora da unidade, Yeda Andrade, aos 84, lançaram na entrada do Igeo, uma “cápsula do tempo”, junto com o reitor João Carlos Salles e a diretora Olívia Oliveira. A exemplo da cápsula lançada por eles dois há 50 anos, a nova foi para alguns centímetros abaixo do solo do jardim do Igeo, contendo jornais do dia e outros documentos simbólicos.

A ideia de reviver o momento histórico partiu da diretora Olívia. Convidar Roberto Santos e Yeda Andrade, ela explica, foi uma maneira de reverenciar os dois líderes da equipe de pioneiros que montou o instituto. Em 1968, o então reitor Roberto Santos decidiu que a UFBA deveria atuar na formação de profissionais capacitados a explorar a pesquisa e a extração de petróleo, cuja reserva baiana de Lobato, a primeira a ser descoberta no país, começava a ser explorada pela Petrobras.

Yeda, então uma jovem docente da Faculdade de Filosofia e da Escola Politécnica simultaneamente, foi convidada “por sua seriedade e competência”, explica o professor Roberto, para liderar o processo. Outra virtude de Yeda era a independência, que a tornava a figura ideal para liderar um processo que afetaria interesses diversos e, por vezes, conflitantes, uma vez que envolvia a diluição de uma unidade (a então Escola de Geologia, criada em 1959 pelo pai de Roberto e primeiro reitor da UFBA, Edgard Santos), e a “cessão” do curso de geografia, bem como do Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais e do Laboratório de Geoquímica à nova unidade.

E assim, Yeda liderou, por dois anos, a equipe responsável por fazer o Igeo sair do papel – e, querida pela comunidade, foi eleita sua primeira diretora, em 1970, cargo que ocupou por quatro anos – justo no auge dos duros tempos de perseguição a professores e docentes pela Ditadura Militar, período em que foi tantas vezes obrigada a interceder junto ao reitor em favor dos perseguidos. Ela dedicaria a vida ao instituto, que voltaria a dirigir entre 2002 e 2006, antes de se aposentar.

“Microcosmo da UFBA”

Como parte das comemorações pelos 50 anos, a Escola de Belas Artes homenageará o Igeo com um monumento comemorativo, que faz alusão às quatro grandes áreas do saber geocientífico que formam o instituto: a geografia, a geologia, a geofísica e a oceanografia – os quatro cursos de graduação oferecidos pela unidade – , cada uma delas representada graficamente na escultura, cujo centro é a terra – uma forma esférica feita de quartzito azul, uma rara formação geológica encontrada em Boquira, no oeste baiano. A escultura foi concebida e está sendo confeccionada pelo professor da Escola de Belas Artes Nadson Portugal. A homenagem é “um compartilhamento de boas recordações” – a rocha usada na escultura é feita do mesmo material ofertado pelo Igeo, quando das comemorações pelos 140 anos da EBA, em 2017.

Aludir aos quatro cursos talvez seja a maneira mais clara de ressaltar uma peculiaridade nacional do Igeo, da qual praticamente toda a comunidade de geociências se orgulha: a multidisciplinaridade do instituto, que afinal reúne as humanidades (através, sobretudo, da geografia), as ciências biológicas (com a geologia e a oceanografia), as exatas (com a geofísica) e talvez até mesmo as artes – afinal, geólogos também têm algo a dizer sobre as gemas e pedras preciosas, matéria-prima de tantos artistas. “O Instituto de Geociências é um microcosmo da universidade”, resumiu o reitor João Carlos Salles, no discurso que antecedeu o ato símbólico, na quarta-feira (06/06). De fato, a UFBA é uma das poucas universidades brasileiras a abrigar essas quatro áreas em uma única unidade.

E assim o Igeo, que começou com dois cursos de graduação (geografia e geologia), ganhou mais dois (geofísica, em 1992, e oceanografia, em 2003), e já formou, ao todo, mais de 2.000 profissionais. Na pós-graduação, são quatro programas: Geofísica, segundo programa de pós da UFBA, criado em 1969; Geoquímica: Petróleo e Meio Ambiente, cujo nascimento também remonta a 1969; Geologia, criado em 1976; e Geografia, criado em 1993. Ou seja: carreado pelo petróleo, o Igeo tornou-se também um grande centro de produção de conhecimento em áreas tão diversas quanto os ecossistemas marinhos e costeiros e o planejamento urbano, as bacias hidrográficas e recursos hídricos de modo geral e a análise geográfica socioambiental.

Destacar um ou outro professor ou aluno em uma história de 50 anos seria, mais do que difícil, injusto – afinal, tantos foram os nomes de destaque que por ali passaram, ou que seguem na ativa, na escola, até hoje. Uma curiosidade, revela a diretora Olívia, é que tem sido comum receber no Igeo novos alunos que contam ter optado por uma das quatro áreas das geociências por influência dos pais, profissionais ou professores ali formados. Um “caso emblemático”, ela diz, é o de uma aluna que se formou em 2016.2 em geologia, “exatamente quarenta anos depois do pai” formado em 1976.2, entusiasma-se Olívia. Pai e filha hoje atuam na área de geologia do petróleo: Ademilson Brito é gerente de exploração em uma empresa do ramo de petróleo, e sua filha Urânia é mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Geoquímica: Petróleo e Meio Ambiente. Que venham então as novas gerações – ou, como disse o ex-reitor Roberto Santos, “agora é preparar para os 100 anos”.